
Janela da Alma, Espelho do Mundo
Marilena Chauí - Janela da Alma, Espelho do Mundo in NOVAES, Adauto (org) “O olhar” São Paulo: Cia das Letras, 1998
Visão [32]
Existe uma crença ancestral de que a visão depende de nós, muito mais do que dependeria das coisas. Exemplo disso é que fechamos os olhos quando não queremos que determinada coisa exista (como um acidente, ou uma traição). Taí o ditado “O que os olhos não vêem o coração não sente”
Ilusão [32]
A ilusão carrega a esperança de uma visão verdadeira que corrigiria a ilusória, pois temos consciência da ilusão e da decepção
Alucinação [32]
A alucinação nos mostra que o mundo real está longe, e está sendo barrado pelos nossos próprios fantasmas e fantasias. Mas pode ser refeito se recobrarmos a razão.
Cremos nas palavras [32]
“Falamos porque cremos nas palavras e nelas cremos porque cremos em nossos olhos: cremos que as coisas e os outros existem porque os vemos e que os vemos porque existem”
Olhar o invisível [32]
Nós dizemos: “Não olhe para trás”, ou “olhe para o futuro”, como se pudéssemos, de fato, olhar o invisível.
Atenção às palavras [32]
Pouca atenção se dá às palavras usadas no dia-a-dia. Como “veja o que diz”, e, por vezes, quando queremos falar algo dizemos: “olhe aqui”
Olhar [33]
O olhar é fonte de alienação, é fonte de análise no olho-no-olho, é sentir o mundo. Nós cremos que a visão se faz em nós pelo que está fora e, ao mesmo tempo, se faz de nós para o que está fora. O olhar é “sair de si e trazer o mundo para dentro de si”. O termo “janela da alma” tem a idéia que o olhar coloca nosso interior para o mundo exterior.
Olho [33]
O olho tem uma grande representatividade. Como o olho gordo, Édipo cegando a si próprio, a medusa, a quem não se podia olhar.
Audição [37]
Dos cinco sentidos, somente a audição (referida à linguagem) rivaliza com a visão do léxico do conhecimento. Os demais sentidos estão ausentes, ou trabalham como metáfora da visão. (algo como “beber uma idéia” ou “pegar o pensamento”)
Visão como instrumento de investigação [38]
A visão é o sentido mais apto para a investigação, e é por isso que é o sentido que mais prazer nos causa. Sentimos prazer emconhecer e estudar as coisas. É enxergando que percebemos o discernimento das coisas, e nos permite ver as diferenças. A visão também é o mais rápido dos sentidos, projetando imagens no subconsciente que ficarão na memória para um fácil e rápido entendimento, com a maior fidelidade.
Visão filosófica [40]
A filosofia indica que ou a visão depende das coisas (que são causas ativas do ver), ou depende dos nossos olhos (que fazem as coisas serem vistas)
Olhar como cânone das percepções [40]
Um dos prováveis motivos pelos quais a visão usurpa os demais sentidos em relação à percepção, pode ser sentido na idéia de Merleau-Ponty, que afirmava que “ver é ter à distância”. O olhar pode apalpar as coisas, pousa sobre elas e entra nelas, porém não se apropria. O olhar “resume” e ultrapassa os demais sentidos quando pode chegar ao objeto e voltar, sem alterações materiais.
Medicina antiga [41]
Na madicina antiga, dizia-se “pensar é o passeio da alma” e essa aptidão ou impulso para sair de si denota um elo entre o olhar e o pensar. No renascimento, tinha-se os olhos como o “mais espiritual dos sentidos”
Olhos [42]
Os olhos estão no limite entre a materialidade e a espiritualidade. Para os neoplatonicos, a “vista é o mais espiritual de todos os sentidos (…) capta as coisas longínquas com extraordinárias rapidez e por isso as coisas apreendidas por ela são convocadas mais facilmente por nós e mais eficazmente retemos na alma”
Olhar e linguagem [45]
Não é apenas a cisnao entre o olhar e o mundo, e entre os olhos (do corpo) e os olhos (do espírito). A filosofia preparava também a cisão entre o olhar e a linguagem.
Visão como paradigma do pensar [45]
Quando do nascimento da linguagem do conhecimento intelectual, a visão serviu como paradigma para o pensar. Fazendo da própria visão um juízo que põe o visível e o evidente e que esclarece porque a filosofia sempre teve tanto interesse pela ilusão.
Experiências [45]
“Uma profunda mutação acontece quando possamos da experiência de ver - do olhar - à explicação racional dessa experiência - ao pensamento de ver - , quando passamos da percepção ao juízo.”
Expulsão da linguagem ou do olhar [46]
Na cisão entre olhar e linguagem, ocorrem rivalidades entre ambos os grupos a “ciência como linguagem bem feita” expulsam o olhar. Já Descartes (e com ele todos os modernos) expulsa a linguagem.
Ver e ouvir [47]
Ver lança-nos para fora. Ouvir, volta-nos para dentro. Segundo Platão, o verdadeiro motivo pelo qual temos visão e audição é estarmos destinados ao conhecimento.
Importância da visão [47]
Graças à visão, concebemos o tempo, já que podemos ver dia e noite, meses e anos e, com essa distinção, a vista ajudou-nos a conceber o número. Com o número, chegamos à filosofia
Desenvolvimento da inteligência [48]
O desenvolvimento da inteligência se faz pela memória e pela experiência. Ambas usam a palavra porque ela pode ser mantida e conservada. A visão é intransferível e efêmera. Mesmo assim, é a visão que é a privilegiada no momento do conhecimento.
Platão [49]
Platão separa corpo e alma, mas reafirma também e com maior intensidade a desconfiança com relação aos sentidos. Como os olhos vêem apenas simulacros, a verdadeira visão é aquela feita pelo intelecto
Reflexões [51]
“A reflexão do olhar é o espelho; a da alma, a natureza; e a natureza, as artes.” Essas reflexões são possíveis porque mundo, homem e arte são feitos da mesma coisa: os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) e dos quatro humores (sangue, fleugma, bílis amarela e bílis negra). Segundo Leonardo DaVinci, A alma especula com os olhos.
Leonardo DaVinci [54]
Leonardo fala, no Tratado da Pintura, que a pintura é uma coisa mental, não uma coisa a ser apenas tratada pelos olhos.
Marilena Chauí - Janela da Alma, Espelho do Mundo in NOVAES, Adauto (org) “O olhar” São Paulo: Cia das Letras, 1998 - 3
Telescópio [55]
Os olhos atrapalham a visão. Eles nos iludem, nis mentes e, depois da invenção do telescópio têm-se uma nova visão. O telescópio (objeto tecnológico) é a razão corrigindo o olhar, ensinando a ver, deixando claro que vários aspectos mundanos dificultam ao olho enxergar tudo o que há. O essencial do telescópio não é que aproxime ou aumente os objetos, e sim que transforme o próprio ato de ver. Depositando no aparelho o ato de conhecer.
Teoria das ilusões [56]
Os olhos, então, não vêem tudo. Na perspectiva realista os olhos não vêem a res extensa e, na idealista, imaginam que ela exista realmente. Uma das ilusões visuais que provocam o interesse de Berkeley é a percepção da distância. Ele afirma que a distância é um dado tátil, e não um dado visual. Já Descartes se interessa pela ilusão das cores. Segundo ele, as cores não estão nas coisas, e sim nos nossos olhos, que não enxergam a realidade e sim os resultados subjetivos de causalidade reais invisíveis
Percepção purificada [56]
A percepção é purificada ao extremo para dedicar-se às atividades intelectuais, e o olho passa a ser um operário do pensamento.
Sujeito do olhar [57]
Quem é o sujeito do olhar? Modernos e idealistas responderão ser o intelecto, que enxerga idéias, conceitos e essências, e os vê como universalidades existentes desde todo o sempre e em parte alguma do visível. O olho intelectual é o puro sujeitos da observação, espectador absoluto que supõe ou que, no idealismo, põe uam multiplicidade plana de universalidades e individualidades.
As coisas [58]
“As coisas são configurações abertas que se oferecem ao olhar por perfis e sob o modo do inacabamento, pois nunca nossos olhos verão de uma só vez todas as suas faces.”
Filosofia figurada da visão [59]
A “filosofia figurada da visão” impede que concebamos o olhar como operação intelectaul, colocando o mundo exterior como representação ou conceito. A visão de alguma coisa depende do julgamento de quem olha. Um quadro visto por um filósofo é diferente do visto pelo pintor que é diferente do visto pelo matemático.
Pensar e ver [60]
Ver não é pensar, e pensar não é ver, mas sem a visão não pensamos, e sem o pensamento não vemos.
Pintor [60]
A pintura eleva à última potência o delírio da visão. A pintura é a ruminação do olhar, é a capacidade do pintor de ver, rever, analisar e transmitir idéias com tintas.
retirado do site: http://www.rodr
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